CORRAM QUE A REFORMA VEM AÍ.

As mudanças trazidas na PEC 6/2019 são muitas, difícil enumerar tudo num espaço restrito, por isso acredito que seja melhor sair do óbvio e falar do imenso cavalo de tróia que está escondido em meio a tanto juridiquês no corpo das 66 páginas do texto. O maior dele é sem dúvida o rompimento com o regime de repartição. Neste modelo, que é o atual, todos os segurados contribuem solidariamente para a manutenção dos benefícios ativos. Os recursos são reunidos em um fundo único gerido pelo poder público e distribuídos de acordo com a necessidade de contingenciamento dos riscos sociais dos segurados.

A Reforma pretende migrar para o regime de capitalização, onde cada segurado terá uma conta própria onde se investirão os recursos de seus recolhimentos- forma muito parecida com o de previdência privada. O governo no entanto não esclarece o que ocorrerá com os que não migrarem, já que os benefícios ativos ficarão sem fonte de custeio, tampouco o que ocorrerá com os valores contribuídos dos que resolverem migrar, já que é impossível estimar oficialmente os valores já recolhidos e os seus rendimentos, a menos que os rendimentos não sejam sequer transportados, ou que se imagine por estimativa, o que implicaria em prejuízo ao segurado. A gestão das contas ficará a cargo de entidades privadas e terá um custo- que geralmente gira em torno de 4% .  Dessa forma, o segurado arcará com o custo administrativo da gestão dos investimentos de sua conta individualizada, o que hoje não ocorre.

É provável que haja migração em massa para o sistema de capitalização, o que fará ruir o sistema de repartição baseado na solidariedade lançando incerteza sobre os pagamentos dos benefícios ativos, um nó que os defensores da PEC não conseguiram explicar como desfazer.

À parte esta perigosa mudança, outras regras para a concessão de benefícios surgiram. O benefício de aposentadoria por invalidez deixa de existir e cede lugar ao benefício por incapacidade permanente, devido sem idade mínima, porém calculado a partir de 60% da média aritmética dos salários contribuídos para os que contarem com até vinte anos de contribuição e um adicional de 2% da média para cada grupo de 12 contribuições a mais. Somente receberá 100% da média aritmética dos salários de contribuição, os que sofrerem acidente de trabalho, forem acometidos de doenças ocupacionais ou ainda doenças graves previstas em lei. Os 100% para os trabalhadores regulares seria atingido a partir dos 40 anos de contribuição, ressalvando que as regras podem ser revistas periodicamente de acordo com o aumento da expectativa de vida média do brasileiro.

Isso implicaria num grande achatamento dos valores dos novos benefícios.

A PEC também proibirá a conversão de tempo de atividade especial em comum para períodos inferiores aos legais para aposentadoria especial. Ex: Pessoas que trabalharam em atividades insalubres ou perigosas durante um período da vida, poderiam converter esse tempo por um multiplicador que considerava a complexidade da atividade e somá-la com tempo de atividade simples para fins de aposentadoria.

Na prática era uma compensação pelos esforços extraordinários e o desgaste físico que a atividade gerava no trabalhador. Se o texto for aprovado como está, a aposentadoria especial somente será devida aos que permanecerem todo o tempo exigido em lei na atividade e conseguir comprovar a exposição ao risco e o dano à saúde.

Na aposentadoria por idade, criou-se uma confusão jurídica. Os trabalhadores rurais segurados especiais que contribuem indiretamente pelo recolhimento do FUNRURAL terão que verter contribuições adicionais de ao menos R$600,00 (Seiscentos reais) por ano, por grupo familiar obrigatoriamente. Além disso, somente se aposentarão aos sessenta anos de idade homens e mulheres, com benefício de valor de salário mínimo. Houve também equiparação entre homens e mulheres na aposentadoria da pessoa com deficiência, com relação ao quesito etário, muito embora a diferença de idade tenha se mantido com relação aos trabalhadores regulares urbanos,

As mudanças no benefício de pensão por morte beiram o absurdo. Hoje o valor deste benefício é fixado em 100% do benefício que o aposentado recebia. Na PEC é previsto 50% do valor que o aposentado recebia ou daquilo que teria direito se fosse aposentado por invalidez permanente na data do óbito, acrescido de 10% por dependente até o máximo de 100% sem direito de reversão. Traduzindo do jurudiquês:

Em uma família composta por viúva e 3 filhos, o valor do benefício seria de 80% do valor do valor devido se o falecido aposentasse por invalidez, calculado na data do óbito. Conforme os filhos fossem perdendo a qualidade de dependentes, ou caso faleça a viúva, diminui-se a cota de 10%, não mais se reverte em favor dos demais beneficiários como hoje ocorre.

No caso específico da pensão por morte, não haverá vinculação ao salário mínimo, sendo possíveis valores de benefício de valor inferior.

A Lei não esclarece como ficará o tratamento dos segurados que possuem núcleos familiares concomitantes ou que pagam pensão aos ex companheiros/cônjuges.

Quem está próximo de se aposentar deve saber de que forma a regra de transição que vai durar 12 anos vai afetar a sua vida. A  regra de transição estabelece que não importa se o segurado possui tempo de contribuição suficiente, é necessário atingir uma idade mínima que inicia em 56 anos para as mulheres e 61 anos para os homens, passando em janeiro de 2020 para 57 e 62 respectivamente.

Além disso será obrigatório preencher os 86/96 pontos obtidos com a soma Idade + tempo contribuído para mulheres/ homens, aumentando um ponto por ano a partir de 2020.

Existe ainda a possibilidade de aposentar-se por tempo de contribuição pelo fator previdenciário, cumprida a idade mínima da regra de transição, pagando um pedágio de 50% sobre o tempo que falta para atingir os 30 ou 35 anos de contribuição para mulheres/ homens.

Quem tiver tempo de lavoura para contar ou tempo especial para converter, deve ajuizar a ação antes da entrada em vigor da PEC que se for aprovada como está, vai inviabilizar que seja feito posteriormente.

As pessoas que recebem o BPC serão muitíssimo prejudicadas. O Benefício de Prestação Continuada será possível à partir dos 60 anos de idade, mas com valor reduzido de apenas R$ 400,00, sendo possível aumento aos 70 anos de idade ao valor de um salário mínimo. Estas pessoas devem também comprovar sua condição de miserabilidade- renda per capta inferior a ¼ do salário mínimo e patrimônio familiar inferior a 98.000,00 (noventa e oito mil reais). Ex: Imóvel do minha casa minha vida.

A aposentadoria do professor sofrerá alteração na forma de cálculo, tempo de contribuição e idade mínima.

Os militares ficaram de fora da reforma. Existe a previsão de que uma proposta seja em breve apresentada para esta categoria.

Os servidores públicos que são filiados ao Regime Próprio de Previdência Social foram muitíssimo atingidos pela reforma e terão a alíquota contributiva aumentada, assim como as regras alteradas. É impossível tratar de tudo num espaço de uma reportagem, mas é possível dizer que à parte os militares que ficaram de fora, teremos um imenso impacto social com redução drástica de valores para os novos benefícios, aumento muito grande de pessoas que ficarão sem cobertura previdenciária.

Com o fim do sistema se repartição e a migração para o sistema de capitalização, não se sabe de onde sairão os recursos para pagar os que já estão aposentados, o que é uma temeridade.

Os segurados ficarão à mercê da administração privada e terá que pagar os custos de gestão, o que agrada muito o setor bancário que ganhou um grande mercado que jamais tiveram.

O aposentado que continua a trabalhar perde o direito ao FGTS.

A PEC de forma muito ardilosa, embutiu em seu texto, teses que não conseguiram emplacar no Poder Judiciário. Assim, a derrota judicial que o INSS sofreu por exemplo, com o adicional de 25% para os incapacitados que dependem de terceiros, se tornaria impossível com o novo texto, que proíbe o judiciário de “criar” novos benefícios.

Teses novas como o auxílio doença parental, aumento do tempo do auxílio maternidade se tornariam impossíveis e o Judiciário seria engessado, cabendo aos magistrados se tornarem tão somente bouche de la loi ou boca da lei, aplicar a lei de forma mais mecânica possível, sendo impossível a análise de cada caso concreto, o que é uma interferência inadmissível no Poder Judiciário num estado democrático de direito.

Poucas notícias são boas, mas existem. Será possível o agrupamento de contribuições que sejam abaixo do mínimo para contagem de carência. Além disso as ações que versem sobre benefícios acidentários deixariam de ser de competência da Justiça Estadual e passarão a ser julgada pela Justiça Federal.

Esta reforma é uma das mais drásticas formas de retirada de direitos já vistas, afetará a economia do país de forma muito direta, já que não podemos nos esquecer dos “pentes finos” da MP 871/2019 que estão à pleno vapor cancelando benefícios por todo o país.

Estima-se que o primeiro efeito a ser sentido seja nas pequenas cidades, onde é raro o emprego, a população seja envelhecida e a dependência dos benefícios da previdência social seja alta. Assim como a Reforma Trabalhista não trouxe novos empregos, a Reforma Previdenciária trará empobrecimento.

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